domingo, 21 de março de 2010

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco

Conto os passos que ecoam na rua. Os meus passos. A rua está quase vazia.
Gosto de caminhar pelo Chiado em dias assim. Um sol tímido, uma brisa quente que faz ondular os meus cabelos.

Uma, duas, três, quatro, cinco pessoas na rua... O som dos seus passos mistura-se e brinca com os meus. O som passeia-se como uma melodia enquanto caminho. Os sons da manhã. As lojas a abrir, as chávenas a tilintar, as cadeiras a serem colocadas na esplanada. Gosto de ver o dia nascer. Gosto de começar e recomeçar e...

"Bom dia. O que deseja?"... Caramba, logo uma pergunta com tantas respostas possíveis... Um dia de sol destes amanhã? Uma rosa na almofada ao acordar? Um pássaro na janela a cantarolar?.... "Olá, bom dia. Um chá preto e uma torrada com doce de laranja.", foi o que pedi.
A esplanada fica naquela rua pequenina, sabes qul é, sempre foi ali que me viste.
Abro o meu livro e proponho-me a perder por entre as palavras. Chega o chá, a torrada e na cor do doce reflete o sol que me aquece o rosto e os braços e o coração.

Silêncio.

Agora um silêncio rodeia-me.

Não ouço os carros, as colheres nas chávenas, as senhoras a falar, os miúdos a rir...

Passos.

Um, dois, três, quatro, cinco... Uma brisa que me envolve num perfume familiar.

Fecho os olhos e... Sorrio.

Volto a ouvir o burburinho daquela manhã.
Caminho agora descendo a rua, os Armazéns florescem lá em baixo. Conto mais pessoas na rua.

O grupo de cinco meninas que segredam sobre "aquele rapaz que se senta na última fila", as quatro senhoras que comentam "era tão boa rapariga", os três velhotes que dizem que "o golo foi injusto, estavam a jogar bem", o casal de enamorados que passeia de mão dada e se olha como se mais nada existisse e uma mulher que desce a rua enquanto ecoam os seus passos. Eu.

Um, dois, três, quatro, cinco.

De novo silêncio no barulho da manhã e o som dos passos e a brisa com o perfume familiar que brinca com os meus cabelos e me acaricia o rosto.

Parei.

Olhei para trás e... Sorri.

Um.

Dois.

Três.

Quatro.

Cinco.

Foram os passos que bastaram.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

adormecer aqui e amanhecer noutro lugar.


e se um dia acordar noutro sítio que não aquele no qual adormeci?


seria como viajar num comboio, numa viagem de interrail, adormecer numa cidade e acordar noutra..


gostava de me deitar um dia, na minha cama, na minha almofada, no meu quarto.. e acordar longe, noutro lugar, noutra almofada, noutra cama, noutro quarto..

estarias tu ao meu lado? iria acordar e os teus lábios a primeira imagem da manhã? ou seria só o teu cheiro que perdurava na almofada ao meu lado?


gostava de me deitar um dia, na minha cama, na minha almofada, no meu quarto.. e acordar longe, noutro lugar, noutra almofada, noutra cama, noutro quarto..

estaria ainda de noite? estaria ainda a lua lá no alto a olhar para mim? ou seria sempre de noite?


gostava de me deitar um dia, na minha cama, na minha almofada, no meu quarto.. e acordar longe, noutro lugar, noutra almofada, noutra cama, noutro quarto..

estaria num comboio a passar uma fronteira? ouviria outra língua que não a minha? ou seria apenas alguém perdido a pedir indicações?


gostava de me deitar um dia, na minha cama, na minha almofada, no meu quarto.. e acordar longe, noutro lugar, noutra almofada, noutra cama, noutro quarto..

ouviria o mar a enrolar a areia? sentiria o cheiro da praia? ou seria só a toalha molhada na varanda?


gostava de me deitar um dia, na minha cama, na minha almofada, no meu quarto.. e acordar longe, noutro lugar, noutra almofada, noutra cama, noutro quarto..


contigo.



not really here.. a matter of Physics.


I'm not really here.


I'm always moving, so I'm never at the same place.


I'm not here.


I'm just more likely to be here than anywhere else, but I'm not really here.


It's a matter of Physics.



(Charlie Crews)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

fim desta semana.


há dias em que as palavras faltam... cá dentro um furacão de sentimentos, sensações, revoltas, paixões...


há dias que apetece ficar no escuro, lá no fundo...


há dias que gostava simplesmente de ir...


há dias que ficar no quarto, debaixo dos lençois, ausente, parece o mais certo...


é um desses dias... tem sido uma semana cheia desses dias...


não deu para evitar...


vou parar...


e avançar de novo...


com outro ânimo :)


afinal... hoje é 6a de novo...
(imagem retirada da net)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Mar, metade da minha alma é feita de maresia...




pirata

sou o único homem a bordo do meu barco.
os outros são monstros que não falam,
tigres e ursos que amarrei aos remos,
e o meu desprezo reina sobre o mar.

gosto de uivar no vento com os mastros
e de me abrir na brisa com as velas,
e há momentos que são quase esquecimento
numa doçura imensa de regresso.

a minha pátria é onde o vento passa,
a minha amada é onde os roseirais dão flor,
o meu desejo é o rastro que ficou das aves,
e nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

Sophia de Mello Breyner Andresen




acordei com uma enorme vontade de ser pirata e zarpar...