terça-feira, 18 de setembro de 2012

de olhos fechados


(19/V/2012)
De olhos fechados.

O dia estava ameno, o sol já não aquecia como nos meses quentes desse Verão. O único som que X ouvia, era o das ondas a bater com violência metros e metros abaixo dos seus pés.
De há uns meses para ca, era algo que X gostava de fazer, fechar os olhos e esperar. Tinha-se tornado doloroso. Os dias, as horas e até os segundos previsivelmente maus, amargos, piores que o segundo anterior.
Sempre que fechava os olhos, X sorria, e sorria porque não sabia o que o próximo minuto ou segundo lhe iria trazer. Já o fazia em diferentes ocasiões, fosse numa esplanada, num baloiço, enquanto se debruçava na janela lá de casa ou mesmo quando conduzia. Quantos mais desconhecidos estivessem à sua volta, melhor, maior a probabilidade de algo, imprevisível, acontecer.
Mas o momento em que X mais gostava de fechar os olhos era quando estava naquela falésia, naquela praia de que tanto gostava. A sua favorita, onde estava agora. Onde sorria, de olhos fechados.
Um vento frio levantou-se, forte. X abriu um sorriso como há muito não se lhe via. Sorriu porque soube o que o segundo, o minuto seguinte lhe iria trazer. E não era previsivelmente mau…

10 Anos antes.
O nervoso miudinho crescia. A internet não estava a funcionar à mesma velocidade que o meu coração. Caramba. Tinha feito birra no dia das candidaturas à faculdade. Todos os meus amigos tinham preenchido o formulário com seis opções diferentes, seis faculdades diferentes, seis percursos diferentes. Já eu, não, sabia o que queria e sabia que iria entrar. Ou pelo menos na altura pareceu-me que sim. Os meus pais estão mesmo atras de mim, apoiados nas costas da minha cadeira enquanto olhamos os três para um ecrã que se mostra lento, maldoso mesmo. A imagem mexe. Eu sorrio e ouço uns suspiros de alívio atras de mim. Era previsível, mas sabe bem ter a confirmação, certo?
Nessa noite, das mais quentes que me recordo até então, saímos para jantar, perto da praia. Foi à minha escolha, gosto de saber que o mar está ali por perto. Fui a primeira a chegar, estaciono o meu pequeno e azul Fiat 500 L. Durante o último ano de liceu trabalhei no café/padaria central para poupar para ele. Nos entretantos dava explicações aos miúdos mais novos. No horizonte estava a faculdade na cidade mais próxima. Sei que teria sempre o apoio dos meus pais para esses gastos, mas gosto de saber que fui eu que consegui comprar este bocado de poluição que tinha agora à minha frente. Era dos anos 70, do ano que tinha nascido o meu irmão.
Ouço a voz da minha cunhada enquanto espero, sentada no muro de trás do restaurante, enquanto toco com os pés na areia. Distintamente ouço o meu irmão dizer que eu estaria do lado da praia se já tivesse chegado. Gosto de como me conhece bem. Gosto de ter um irmão mais velho. Não é que reveja nele uma pessoa forte e resistente. Talvez seja o oposto, vejo o como alguém que preciso de proteger e ajudar. Mesmo tendo dez anos de diferença, sei que sou eu que tenho que olhar por ele. Penso no dia do casamento dele, há poucos meses atrás, foi tudo tão rápido e sem sentimento. Lembro me de no final do copo de agua me ir abaixo por perceber que ele já não voltaria para casa, já não voltaria a partilhar o quarto comigo. Chorei essa noite. Chorei por saber que ele estava perdido e aquele casamento só o iria fazer se perder mais. 

(continua...)